A
VERGONHA E O ACASO
Várias e várias vezes fiquei sensibilizado por campanhas
que recrutavam doadores de sangue, em função dos baixos
níveis de estoque deste líquido divino nos hospitais.
Mas "Sua doação pode salvar uma vida", "Doar
é um ato de amor", "O Hospital do Câncer precisa
de doadores", dentre outros, foram vários chamamentos
aos quais eu nunca havia atendido.
Certa vez, até um posto de doação foi montado
em Nova Ipanema e esta foi mais uma ocasião em que não
me mobilizei.
Considerava
que de nada adiantava ser citado por alguns amigos como uma pessoa
prestativa, participante, solidária, se o incômodo
de ter um título de não doador me fazia sentir uma
grande VERGONHA.
Vergonha porque
poderia ter feito isto a partir dos 18 anos. Vergonha porque poderia
ter feito uma doação a cada 3 meses e não o
fiz. Vergonha porque gozo de boa saúde física (a mental,
os amigos duvidam que esteja bem). Vergonha maior ainda quando vi
minha Mãe, anêmica, em função de um câncer,
receber a transfusão de 3 bolsas, na presença deste
egoísta não doador.
As desculpas
que eu usava para a minha constante fuga eram muito ridículas:
"comi muita gordura", " minha agenda não deixa
uma brecha", " na próxima semana, quem sabe..."
e muitas outras mais.
Mas o acaso
é a lógica de Deus e foi através dele que um
dia recebi um e-mail pedindo doações para Maria Luiza,
mãe de Emílio. Bastava ter entre 18 e 60 anos (há
um projeto de lei que pretende estender até 65 anos), pesar
mais de 50 quilos, não ter tido hepatite, não ter
ingerido gordura pelo menos nas últimas 3 horas.
Aleluia! Ali
estava uma oportunidade para que eu me redimisse e aí não
hesitei. Compareci ao hospital no dia seguinte pela manhã,
fiz a entrevista com um médico e sentei-me feliz naquela
confortável poltrona, para eliminar esta vergonha da minha
mente e do meu coração.
Iniciado o processo,
no qual acredito que não gastei mais do que 10 minutos, aproveitei
para aprender como se prepara um belo canelone, que era apresentado
na televisão e também para conhecer algumas pessoas
simpáticas e alegres que ali comparecem para o mesmo fim.
Que beleza de lugar!
Depois deste
momento de glória, no trajeto para casa, me veio a idéia
de escrever uma carta para Maria Luiza, a fim de agradecê-la
por ter sido a responsável por esta importante guinada em
minha vida. Cheguei no escritório, liguei para saber o endereço
dela e veio a informação de que ela falecera alguns
minutos após a doação.
Tenho a mais
completa convicção de que ela resistiu somente o suficiente
para ser a agente da minha mudança e aí partiu para
dar esta notícia a Deus.
Maria Luiza, minha felicidade seria completada se eu tivesse a certeza
de que este artigo não foi escrito por acaso. Tomara que
ele consiga arregimentar pelo menos um leitor, para transformá-lo
também em um doador habitual. Agora que você está
aí perto Dele, dê uma mãozinha.
Obs: o artigo
representa um fato real. Os nomes dos personagens foram alterados
a fim de preservar suas individualidades. O autor solicitou que
seu nome não fosse citado.
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