Tragédia
e utopia sob o olhar da espiritualidade
Falar
da utopia e da tragédia, hoje, sob o olhar
da espiritualidade é, antes de tudo, conscientizar-se
na experiência da dramaticidade de nossos dias
e tentar encontrar um sentido frente aos impactos
do absurdo.
Diante dos acontecimentos atuais, não podemos
ignorar ou fingir que os fatos, a vida e o ser humano
não provocam uma reflexão. Mesmo porque
a ignorância é a mãe de todos
os males. E uma reflexão sem profundidade corrói
toda a esperança e o sentido da vida.
A utopia bem compreendida é a força
que nos impulsiona no dia a dia para construção
de algo melhor, ser humano melhor, mundo melhor. Ela
é um elemento da visão do ser humano
e da sociedade que queremos. E é a visão
do futuro que orienta nossas decisões e escolhas
no presente. Mas, se não estiver alavancada
numa análise da realidade, vira idealização,
território de todas as manipulações.
A espiritualidade é uma dimensão do
ser humano, que quer trabalhar a essência humana,
fonte de ética. E a ética quer construir
os caminhos para a melhoria contínua da realidade,
exigindo uma habilidade educacional. Em seu nome,
podemos rever todos os processos político,
social, econômico, ideológico e religioso.
A ética e a espiritualidade fazem sentido quando
estão a serviço da vida e de, no mínimo,
da qualidade de vida. Diante delas, os fatos ganham
a dimensão de horror ou de esperança.
O grande desafio do olhar da espiritualidade é
encontrar um sentido em frente ao fato trágico.
E o sentido não está no trágico,
mas na capacidade de, apesar do trágico a vida
ir em frente. Com uma utopia capaz de reverter a tragédia.
Na espiritualidade, a tragédia é uma
denúncia ética provocadora de análise
e mobilizadora do desafio para acertar, apesar do
erro. É a força que mantém a
esperança na aparente desesperança.
Da utopia como alavanca de um mundo melhor, apesar
da desgraça. Ela não se vincula ao trágico,
mas à vida. É a força que mobiliza
a capacidade de transcender. De não apostar
na falência do projeto humano na terra. Inspira
a reflexão e a reorientação.
E só como doença proporciona a tragédia.
O espírito doente é fanático.
O espírito prisioneiro é ideológico.
O espírito livre é capaz de construir
a conveniência.
Qual é o lugar onde se promove a convivência?
A rotina. A rotina na família, no bairro, no
município, no país. Melhorando pessoas
e instituições. A força é
a utopia capaz de inspirar competências e talentos.
Ela deve ser posta em prática para não
ser fantasia e engano.
Desperta em nós no que temos de melhor e nos
acorda diante do horror.
Se não, vira idealização e coloca
o ser humano refém de ideologias e fanatismos
numa manipulação que produz o absurdo.
O mundo globalizado só pode ser melhor pela
conveniência multi-cultural. Capacidade que
nasce na neutralidade comunitária e que tem
sua fonte na espiritualidade e como gerente do bem
viver, o bom senso.
A tragédia, mãe da destruição,
tem como pais à ignorância e as idealizações.
Virtualidades mentais que não constroem a relação
profunda com a essência humana, com a natureza,
com a história humana e com a busca de sentido
do universo em que vivemos. Não se relaciona
com a realidade.
E toda morte eclode como violência e morte até
mesmo em nome de projetos de alto valor, mas que são
a objetivação da doença do espírito,
levando ao fanatismo e da mente, levando à
ideologização.
Romper com a tragédia cotidiana na história
é investir na conveniência. Investir
em mecanismos de inteligência coletiva para
impedir que a mal se institucionalize.
E para a promoção permanente da motivação
para o mundo melhor se requer uma utopia, capaz de
apontar o caminho, sabedoria para encontrar e fazer
o caminho com gestão de todo o conhecimento
e tecnologia a favor da vida e não da morte.
Uma experiência que merece o repúdio
ético: a morte provocada!
O controle e promoção do viver melhor
passam pela negociação pessoal e coletiva
e não pela construção da tecnologia
da morte.
Sob o olhar da espiritualidade, a tragédia
e a utopia são dois lados para sinalizar o
mesmo caminho: a necessidade de um aprendizado radical
do caminho a ser banido, superado e destruído.
A utopia é a sinalização do caminho
a ser construído. O lugar é a rotina.
A transformação é pessoal e coletiva.
A potencialização é mais sabedoria
e convivência, onde o outro não é
ameaça, meu inimigo é o diferente para
construir diálogo de proximidade e respeito.
Superando a ilusão do paraíso idealizado.
Para construir uma realidade melhor. E a realidade
é possível estratégia da evolução
humana. Melhorar a pessoa que somos e a habilidade
e competência para frustrar o desejo de destruição
de quem ainda não se humanizou suficientemente.
A espiritualidade tem modelos de seres humanos históricos
e reais como Lao Tsé, Jesus Cristo, Buda, Einstein,
Gandhi, São Francisco de Assis, Chico Xavier.
Não é idealização e nem
é força aprisionada por sistemas. E
o horror também tem seus modelos. A escolha
é pessoal por comprometimento e coletiva para
efetivação de um projeto de humanidade.
E temos na história, ao analisar a cultura
comunitária, fonte de solução
dos impasses atuais, um laboratório inspirador
para o futuro.
JANIO
SAVOLDI
|